No jornalismo esportivo, torcidas organizadas são relacionadas a violência, fidelidade e fiscalização

A violência no futebol brasileiro e a atuação das torcidas organizadas são temas que se entrelaçam no imaginário popular. A ideia de que atos violentos na modalidade advêm apenas dessas organizações é corroborada a partir de  falas, notícias, comentários e intervenções que, historicamente, ocorreram no âmbito do jornalismo esportivo. Para mapear a construção desse discurso, um estudo da EEFE-USP analisou 2.258 notícias referentes às torcidas organizadas. 

Foram analisadas notícias de três veículos diferentes

O trabalho de doutorado de Marcelo Fadori Soares Palhares, orientado pelo Prof. Dr. Ary Rocco Jr., levantou conteúdos publicados em três veículos: Revista Placar, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. Foi selecionado material desde 1969, ano da fundação da Gaviões da Fiel, primeira torcida organizada no Brasil, até o ano de 2020. 

Veículos apresentam três discursos relacionados às torcidas organizadas

As notícias destacadas na pesquisa apresentaram três principais discursos: o da fidelidade, o da fiscalização e o da violência. O primeiro refere-se principalmente ao amor da torcida pelo time, e ao compromisso dela em acompanhá-lo e transformar as arquibancadas em festa. O segundo diz respeito à cobrança feita pela torcida sobre o time, frente a algum resultado ou situação insatisfatória. Já o terceiro traz episódios de violência que envolvem a torcida. Neste último, porém, foi identificado que a associação da violência à torcida restringe-se apenas à violência física. 

Torcidas são relacionadas na mídia a fidelidade, fiscalização e violência

Como implicação disso, a tese identificou que outros fenômenos violentos além dos físicos, como a homofobia, racismo, xenofobia etc, não se vinculam à palavra violência nas matérias. Assim, o debate sobre o assunto fica reduzido, o que propicia uma associação simplista das torcidas organizadas à violência nos jogos, sendo esta retratada como a grande responsável pelas brigas nas arquibancadas.  

A paz relativa

Segundo o pesquisador, a maneira como as matérias tratam essa questão gera uma sensação de paz relativa em situações em que, apesar da ausência de agressões físicas, houve insultos, desrespeito, homofobia, abuso de poder dos policiais, entre outros. Ainda observa que, por conta disso, cria-se uma falsa impressão de que acabar com a torcida organizada traria o fim da violência nos estádios. 

Apenas violência física é abordada nas notícias analisadas pelo estudo

“Isso levaria esses grupos para a clandestinidade, dificultando, assim, medidas preventivas, bem como o diálogo com essas instituições. Deve-se apontar que diversos atores do cenário do futebol possuem responsabilidade neste contexto: os clubes, as federações, os meios de comunicação, a polícia, os atletas”, complementa.

Diminuição da violência perpassa por muitas instâncias

As ações para a diminuição das situações de violência na modalidade perpassam por diversas instâncias, desde ajustes na organização dos eventos até a transformação dos valores que regem as práticas dos torcedores organizados. Dado que o interesse em se desvencilhar da imagem da violência,  as próprias torcidas organizadas promovem campanhas de prevenção a violência física, reuniões com órgãos públicos e promotores dos eventos futebolísticos. Porém, outros tipos de violência não-física ainda são rotineiras para o torcedor, sem que haja iniciativas específicas voltadas para este contexto. 

 

As torcidas promovem campanhas buscando se desvencilhar da imagem da violência

Ademais, o pesquisador ressalta o papel social da torcida organizada, que representa um forte canal de identificação e mobilização social. “Este espaço poderia ser utilizado, inclusive, para a construção de valores positivos e participação cidadã, de modo ativo. É um espaço no qual o indivíduo pode se expressar, participar  e pertencer a uma coletividade, de modo genuíno e desinteressado”. O pesquisador ressalta o potencial de campanhas acionadas pelas torcidas organizadas, e sua capacidade de alcançar espaços não atingidos pelo poder público.

A tese, intitulada “Torcidas organizadas e jornalismo esportivo: discursos sobre violência no futebol”, foi defendida em julho deste ano e pode ser acessada no Banco de Teses da USP

 

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