Estudo da EEFE indica que a IA pode facilitar a identificação de perfis comportamentais para ajuste de treinos.
O sedentarismo é hoje um dos principais desafios de saúde pública no Brasil. O país é considerado o mais sedentário da América Latina e o quinto no ranking mundial. Segundo dados do IBGE, cerca de 47% dos brasileiros adultos não praticam atividade física. Entre os jovens, o número é ainda mais alarmante: 84%. Nesse contexto, soluções inovadoras, como o uso da inteligência artificial, podem desempenhar um papel importante na promoção de uma vida mais saudável.
Um estudo da EEFE, realizado por Rodrigo Silveira da Silva, sob orientação da Profa. Dra. Monica Yuri Takito, verificou como o uso de Machine Learning pode ajudar a identificar os perfis comportamentais de indivíduos com diferentes afinidades à prática do exercício físico para adaptar as prescrições de treinamento físico baseadas nessas características.
Personalizar os treinos de acordo com o perfil comportamental pode ser a chave para a adesão ao exercício físico. Foto: Freepik.
Os resultados revelaram que o conhecimento e adaptação das prescrições de exercício de acordo com o perfil individual podem ser a chave para aumentar a adesão à prática do exercício físico. Ao adaptar os exercícios às características de cada indivíduo, é possível aumentar a motivação e promover a continuidade da prática.
Diferentes perfis comportamentais
Um dos grandes desafios dos profissionais de Educação Física é entender por que algumas pessoas têm dificuldades em manter uma rotina de exercícios, enquanto outras se sentem mais motivadas e comprometidas com a prática. A falta de aderência ao exercício pode ser atribuída a uma série de fatores biopsicossociais, que não são totalmente compreendidos ou levados em consideração na prescrição dos treinos.
Na primeira parte da pesquisa, foi realizado um levantamento de dados via formulário online com 3898 respondentes para compreender os padrões comportamentais relacionados à prática de exercícios no Brasil. O formulário, aplicado durante a Pandemia de Covid-19, era composto de quatro partes: autorrelato sobre características antropométricas e socioeconômicas; opiniões e percepções sobre a pandemia e o isolamento social; autorrelato de comportamentos relacionados ao exercício físico antes do isolamento; e comportamentos de mesma natureza durante o isolamento social.
Compreender o perfil comportamental do praticante permite ao profissional adaptar o treino de forma eficaz, respeitando as características individuais. Foto: Freepik.
Com os dados obtidos, Rodrigo concluiu que existem, basicamente, dois tipos de perfis: aqueles com características aversivas em relação ao exercício, que demonstram resistência ou aversão à atividade física, e aqueles com afinidade pela prática, que tendem a se engajar mais facilmente em treinos.
As características com relação ao exercício físico foram identificadas e ranqueadas pelo algoritmo Multilayer Perceptron, um modelo de inteligência artificial que funciona como uma rede de neurônios artificiais que processam informações em várias etapas.
Personalização de treinos pode ajudar na aderência ao exercício
A segunda parte do estudo foi focada em testar como a personalização dos treinos, baseada nas informações reunidas na primeira parte, poderia influenciar a aderência ao exercício pelos sujeitos com características aversivas. Nesta etapa, participaram 31 pessoas de diferentes partes do Brasil, com características diversas. Com o auxílio do algoritmo de machine learning e os dados anteriores, foi possível identificar os participantes que possuíam aversão ao exercício e os que possuíam mais afinidade.
O objetivo foi adaptar a prescrição dos exercícios em um programa de treinamento individualizado, respeitando suas características e observando os efeitos da intervenção na aderência e no próprio perfil comportamental. Para verificar se esse tipo de tarefa utilizando os dados do algoritmo era possível, Rodrigo supervisionou alunos do último ano de graduação da EEFE e os dividiu em dois grupos:
- O grupo de intervenção, que recebeu todas as informações sobre o perfil comportamental de seus participantes e foram instruídos a adaptar os treinos baseados nelas; e
- O grupo de controle, que seguiu uma prescrição de exercícios mais genérica e não sabia do perfil comportamental de seus participantes.
Diferentes perfis comportamentais exigem abordagens distintas para garantir a adesão ao exercício. Foto: Freepik.
Cada estudante montou um programa de treinamento individual personalizado por 3 meses, composto de treinos semanais online síncronos de 60 minutos e uma prescrição de treino assíncrono. Após esse período, foram criadas rotinas de exercícios personalizadas para cada um, a serem realizadas por mais 3 meses, agora sem acompanhamento. Para aqueles com características de aversão ao exercício, cada plano de treino foi feito para modular suas características a fim de torná-las o mais similar possível das características de quem não tem aversão ao exercício.
Treinos personalizados tiveram maior adesão
Os resultados mostraram que os participantes que receberam treinos personalizados tiveram 9,4 vezes mais chances de continuar praticando exercícios físicos do que o grupo controle. Os sujeitos que foram submetidos à intervenção tiveram taxas de retenção maiores que 90% e também apresentaram maior aderência nos demais domínios em treinos assíncronos e síncronos.
A intervenção também foi capaz de manter a aderência mesmo sem acompanhamento. Os participantes do grupo de intervenção não abandonaram a rotina de exercícios prescrita, com uma aderência de 80% no domínio da retenção.
“Quando o profissional de Educação Física conhece o perfil comportamental do praticante e prescreve os exercícios respeitando essas características, ele é capaz de promover aderência”, afirma o pesquisador.
Esses dados revelam que a personalização e a utilização de tecnologias inovadoras pode ser a chave para combater o sedentarismo ao otimizar a prescrição de exercícios e ajudar sujeitos com características aversivas ao exercício físico a continuar praticando.
O estudo intitulado “O uso de Machine Learning na identificação de perfis comportamentais, prescrição de treinamento e aderência ao exercício físico” está disponível na íntegra no banco de teses da USP e pode ser acessado clicando aqui.
Por Guilherme Ike
Estagiário sob supervisão de Paula Bassi