Desinteresse em atividade física pode advir de falhas na aprendizagem motora na infância

Em todas as fases da vida, a prática de atividade física é essencial. Colocar o corpo em movimento pode influenciar aspectos importantes da saúde e, por isso, é um hábito que deve ser cultivado desde a infância. 

Durante os primeiros anos de vida, espera-se que as crianças adquiram habilidades motoras fundamentais, como correr, pular, arremessar e equilibrar. Desenvolver essas habilidades é importante tanto para a realização de tarefas cotidianas quanto para a prática de esportes no futuro. 

Segundo um estudo da EEFE-USP, o desenvolvimento inadequado dessas habilidades pode ser um dos motivos que afastam crianças da prática de atividade física, que deveria ser, em média, 60 minutos diários de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Durante os primeiros anos de vida, espera-se que as crianças adquiram habilidades motoras fundamentais, como correr, pular, arremessar e equilibrar. Foto: Marcos Santos/USP

A pesquisa, realizada em colaboração com outras universidades, investigou a relação entre o desempenho de habilidades motoras fundamentais das crianças e o tempo que elas dedicam à prática de atividade física moderada a vigorosa durante a semana e fins de semana. Os resultados constataram que as crianças com habilidades motoras mais desenvolvidas são mais ativas, mas que a intensidade da prática diminui conforme o aumento da idade.

Acompanhando a rotina de crianças na cidade de Matosinhos, em Portugal

Para chegar aos resultados, a pesquisa utilizou dados obtidos entre janeiro de 2022 e junho de 2022 pelo Projeto React: de volta à ação. Realizado em parceria com a Universidade do Porto, o projeto teve como o intuito de examinar o desenvolvimento motor das crianças portuguesas após a pandemia de COVID-19. As habilidades motoras fundamentais consideradas para a análise foram arremessar, chutar, driblar, receber/agarrar e rolar a bola.

As habilidades motoras fundamentais consideradas para a análise foram arremessar, chutar, driblar, receber/agarrar e rolar a bola. Foto: Paula Bassi

Ao total, foi analisado o desempenho de 1.014 crianças entre seis e dez anos, selecionadas aleatoriamente entre as 4.691 avaliadas pelo projeto. Todas tinham uma aula de educação física por semana na escola e participavam do programa Atividades Curriculares de Enriquecimento (ECA), que oferece de uma a duas aulas semanais envolvendo jogos e esportes. Os dados foram coletados durante as sessões de aprendizado do programa.

As avaliações foram registradas por meio da plataforma digital Meu EducAtivo, desenvolvida pelo Prof. Dr. Fernando Garbeloto, também principal responsável pelo estudo. No aplicativo, os professores conseguem classificar a performance dos alunos em cada habilidade por meio de três níveis (Perito, Aventureiro e Explorador), do mais avançado ao mais iniciante.

Interface do aplicativo Meu EducAtivo - Imagem: Meu EducAtivo/Google Play

Após a seleção dos dados, as crianças foram divididas em três grupos considerando a quantidade de habilidades motoras em que eram classificadas como proficientes. Assim, o grupo 1 reunia as crianças com desempenho avançado em quatro ou cinco habilidades, o grupo 2 as com desempenho avançado em duas ou três habilidades e, por fim, o grupo 3 as com desempenho avançado em, no máximo, uma habilidade.  

A importância de fazer atividade física desde pequeno

As conclusões obtidas pelo estudo confirmaram que crianças com habilidades motoras fundamentais mais avançadas são geralmente mais ativas e possuem maiores chances de atingir as recomendações da OMS. O grupo 1, que possuía proficiência em quatro ou cinco habilidades, teve resultados significativamente melhores do que os grupos 2 e 3. 

Mesmo aos fins de semana, quando o tempo dedicado à prática de atividade física costuma ser menor, o grupo 1 se manteve mais ativo. Além disso, os resultados constataram maior atividade por parte dos meninos em relação às meninas e diminuição de frequência da prática de atividade física moderada a vigorosa conforme o aumento da idade.

Resultados constataram maior atividade por parte dos meninos em relação às meninas. Foto: Marcos Santos/USP.

Segundo os pesquisadores, um dos motivos que podem explicar os resultados é a autoconfiança obtida com o domínio das habilidades: “À medida que as crianças ampliam sua proficiência se tornam mais confiantes, o que leva a uma melhor percepção da competência motora e um maior envolvimento em diferentes atividades físicas ou esportivas”.

Os achados mostram que promover o aprendizado das habilidades motoras fundamentais desde os primeiros anos da escola é um caminho importante para diminuir o sedentarismo entre as crianças, problema que pode ocasionar diversos transtornos para a saúde física e mental. 

“É preciso conceber projetos que estimulem o aprendizado dessas habilidades e também se atentar às crianças com repertório motor menos desenvolvido, fazendo com que elas consigam desenvolver as competências e autoconfiança necessárias para participar de forma mais intensa e gratificante da prática de atividade física, o que auxilia a promover a saúde e bem-estar geral”, afirmaram os pesquisadores.

De acordo com os pesquisadores, é preciso conceber projetos que estimulem o aprendizado dessas habilidades e também se atentar às crianças com repertório motor menos desenvolvido. Foto: Marcos Santos/USP.

O estudo tem como autores Fernando Garbeloto, José Maia, Tiago V. Barreira, Donald Hedeker, Jean-Philippe Chaput, Rui Garganta, Cláudio Farias, Ricardo Santos, David F. Stodden, Go Tani, Peter T. Katzmarzyk, e Sara Pereira. 

Publicada no American Journal of Human Biology sob o título “Is there an association between proficiency in fundamental movement skills and mderate-to-vigorous physical activity in childhood on weekdays and weekends? The REACT project”, a pesquisa pode ser acessada completa por meio do link: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ajhb.24085

Veja também: Projetos mapeiam desenvolvimento infantil pós-pandemia em cidades portuguesas

Por Giulia Rodrigues

Estagiária sob supervisão de Paula Bassi

Seção de Relações Institucionais e Comunicação

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