Fadiga e risco de lesões no handebol: como o corpo se adapta ao cansaço

Atletas de handebol que participaram de estudo da EEFE-USP apresentaram adaptações de movimentos após fadiga

Em esportes coletivos, os atletas estão suscetíveis a lesões em seus membros inferiores, sendo a articulação do joelho particularmente vulnerável.  Essas lesões podem ocorrer devido a movimentos bruscos, como aterrissagens e mudanças rápidas de direção. Analisar os padrões de movimento durante o jogo é crucial para entender os fatores que podem levar a essas lesões e desenvolver estratégias de treinamento e reabilitação adequadas às situações enfrentadas pelos jogadores. 

Articulações dos joelhos são particularmente vuneráveis. Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br

Um estudo da EEFE-USP realizado por Dayanne R. Pereira, sob orientação do Prof. Dr. Bruno Bedo, mostrou que a fadiga pode ser um desses fatores. A pesquisa analisou como a fadiga afeta a coordenação dos movimentos em jogadoras de handebol e revelou mudanças importantes que podem aumentar o risco de lesões nos joelhos. O estudo investigou a forma como o tronco, os quadris e os joelhos trabalham juntos em duas situações comuns no esporte: o salto vertical e a mudança rápida de direção.

Movimentos analisados antes e após a fadiga

Participaram da pesquisa 20 atletas universitárias de handebol. O experimento consistia na execução, antes e depois do protocolo de fadiga, de dois movimentos similares a ações frequentes durante o jogo de handebol e que possibilitam a análise dos membros inferiores e do tronco. O primeiro movimento foi o Salto Vertical, em que as atletas deveriam descer de uma caixa de 40 centímetros de altura, aterrisando com os dois pés simultaneamente e, depois, saltando o mais alto possível. Para que o teste fosse considerado bem-sucedido, era necessário que a atleta mantivesse uma postura estável depois do salto. 

Representação do Salto Vertical. Fonte: Imagem fornecida pelos pesquisadores.

O outro movimento estudado foi a Mudança de Direção, que consistia em correr por quatro metros, dar um passo lateral a 45º com a perna não dominante, e continuar correndo por mais três metros. O teste era considerado bem-sucedido quando as atletas conseguiam permanecer dentro dos limites marcados por uma fita colorida no chão, que indicava a direção do movimento.

Representação da Mudança de Direção. Fonte: Imagem fornecida pelos pesquisadores.

As voluntárias tinham três tentativas de cada um desses movimentos antes da aplicação do protocolo de fadiga e mais três depois do protocolo, que simulava uma progressão de esforço, como acontece em um jogo de handebol. Neste momento, as participantes realizaram um circuito com ações típicas da modalidade, como sprints, mudanças de direção, saltos e deslocamentos laterais e para trás. O protocolo foi dividido em rodadas progressivas, em que o número da rodada correspondia ao número de voltas no circuito (por exemplo, na primeira rodada, uma volta; na segunda, duas voltas; e assim por diante). 

Monitoramento e processamento das informações

Durante a execução, as atletas eram monitoradas por meio da frequência cardíaca, tempo de esforço e percepção subjetiva de fadiga. O protocolo continuava até que a atleta não conseguisse mais completar o circuito. O objetivo era que a participante chegasse a um nível de esforço intenso, mas controlado, já que era possível solicitar parar a qualquer momento. 

O monitoramento dos movimentos foi feito com um sistema de captura composto por oito câmeras, que registravam os deslocamentos a partir de marcadores reflexivos posicionados em pontos anatômicos estratégicos das atletas. Após a captura, os dados eram processados e esquematizados para a análise por meio de softwares específicos. 

Testes utilizaram dois movimentos similares a ações frequentes durante o jogo de handebol. Foto: Breno Barros/rededoesporte.gov.br

Para calcular a coordenação entre diferentes articulações do corpo durante o movimento, primeiramente foram registradas as variações angulares das articulações ao longo do tempo. Em seguida, o movimento de duas articulações, como quadril e joelho, foi comparado para analisar a relação entre seus ângulos em diferentes momentos. Essa relação foi representada em um gráfico, no qual um ângulo denominado “ângulo de acoplamento” indicava como uma articulação se movia em relação à outra. 

Com essa informação, identificaram-se quatro modos principais de coordenação: (1) fase em sintonia, quando as articulações se movem juntas; (2) fase oposta, quando se movem em direções opostas; (3) liderança, quando uma articulação lidera o movimento enquanto a outra se mantém mais estável; e (4) adaptação, quando há ajustes intermediários entre os modos, tanto para uma quanto para outra articulação. A frequência de cada modo de coordenação foi analisada para compreender como a fadiga ou outros fatores influenciam o movimento. 

Adaptações frente à fadiga

Em ambos os movimentos, o cansaço levou a alterações relacionadas à coordenação de movimentos entre tronco e membros inferiores. Essa alteração sugere que as atletas adaptam seus padrões de movimento como estratégia para compensar o cansaço e manter a performance. 

“Durante o salto vertical, a variabilidade da coordenação aumentou, sugerindo que o corpo tenta compensar a fadiga ajustando os padrões de movimento. Por outro lado, na mudança de direção, a variabilidade da coordenação diminuiu, o que pode indicar uma menor capacidade de adaptação do corpo, aumentando o risco de lesões”, explica a pesquisadora. 

Ajustes indicam que corpo busca compensar a fadiga e manter a performance. Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br

Esses achados ressaltam a importância de treinamentos específicos para cada tipo de movimento, auxiliando os atletas na gestão dos efeitos da fadiga e na redução do risco de lesões durante a prática esportiva. “Para treinadores e atletas, esses resultados sugerem que programas de treinamento devem incluir exercícios específicos para manter a estabilidade das articulações mesmo sob fadiga, reduzindo o risco de lesões, especialmente no joelho”, complementa. 

Além disso, os resultados reforçam a necessidade de estratégias de reabilitação personalizadas, que levem em conta a forma como diferentes movimentos são afetados pelo cansaço, garantindo que os atletas possam se adaptar melhor e manter o desempenho com segurança durante as partidas.

Resultados reforçam a necessidade de estratégias de reabilitação e treinamento personalizadas para cada movimento. Foto: Abelardo Mendes Jr/ rededoesporte.gov.br

O trabalho, intitulado “Fatigue-induced modifications to trunk and lower-limb coordination mode during drop vertical jump and sidestep cutting tasks in female handball athletes”, é resultado da colaboração entre pesquisadores de cinco diferentes instituições públicas: a Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE), a Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da USP (EEFERP), a Universidade Estadual de Londrina (UEL), a Faculdade de Educação Física da UNICAMP (FEF) e a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH). O artigo na íntegra pode ser acessado em: 

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0966636224007380?via%3Dihub#bib34

 

Texto: Paula Bassi

Seção de Relações Institucionais e Comunicação

 
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