Pesquisador da EEFE é reconhecido internacionalmente por estudo sobre racismo no esporte

Filho de ídolo eterno do Santos F.C é doutorando intercambista na Escócia, e pesquisa sobre o racismo no futebol brasileiro

Donald Verônico Alves da Silva, filho do ex-jogador e ídolo eterno do Santos F.C Abel Verônico, nasceu no México, onde seu pai jogava na época. Envolvido com o esporte e com as questões étnico-raciais desde criança, Donald realiza doutorado sanduíche na Universidade de Stirling. Sua pesquisa trata do tema “A sub-representatividade de treinadores negros no futebol Brasileiro”, sob orientação da Profa. Dra. Flávia da Cunha Bastos, da EEFE, e do Prof. Dr. Claudio Rocha, da Universidade de Stirling (Escócia).

Donald e seu pai em um dos portões da Vila Belmiro, estádio sede do Santos [Arquivo Pessoal/Donald]

Heteroidentificação das equipes de futebol brasilerias

A pesquisa analisou 1062 jogadores, 20 treinadores e 45 assistentes técnicos dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro. Essa análise foi feita por três comissões de juízes que se basearam nas bancas de heteroidentificação de concursos públicos e vestibulares.

O resultado mostrou que cerca de 60% dos jogadores da Série A do Brasileirão masculino de 2023 são negros, sendo pretos mais de 20%, o dobro de pretos na população brasileira, segundo o IBGE (2022). Contudo, entre os treinadores esse cenário muda muito. Em 2023, não havia nenhum treinador negro na elite do futebol brasileiro, e apenas 17% dos auxiliares foram considerados pretos ou pardos.

Segundo o pesquisador, a situação de representatividade do treinador negro na elite do futebol brasileiro é a pior do mundo, se comparado com as ligas esportivas dos EUA e de ligas de futebol na Europa.

Comparação entre porcentagem de jogadores negros e porcentagem de técnicos negros indica sub-representatividade na categoria. Foto: Raul Baretta

De acordo com Donald, quando se fala em sub-representatividade, compara-se uma população com algum parâmetro. No caso dos treinadores, a referência é a população de jogadores, já que a maioria dos treinadores foi atleta das suas modalidades.

O doutorando exemplifica: “Na NBA, se compararmos a porcentagem da população do país que é negra (15,1%) e o número de treinadores (36,6%), podemos entender que está muito bem representado. Mas, se olharmos o número de jogadores negros ou de minoria étinico racial na NBA, chega a 80%. Aí está a sub-representatividade”.

Combate ao racismo no futebol

O pesquisador ressalta a importância de pensar ações concretas que objetivem o combate ao racismo no futebol: “É importante combater todas as formas de racismo, não só o explícito como o que o Vinícius Júnior sofre na Espanha, mas também o velado e institucional”. Em sua pesquisa, ele pretende entender quais são as barreiras impostas aos negros que os impedem de ocuparem o cargo de treinador na elite do futebol nacional. 

No exterior, principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, essas pesquisas existem e já chegaram a várias conclusões. O pesquisador relata que há diversos estudos relacionados ao racismo institucional, o estereótipo, o recrutamento de treinadores, a discriminação de tratamento, a discriminação de acesso, e vários outros fatores. Desta forma, o acervo de referências foi o principal fator que levou Donald a escolher o Reino Unido para o doutorado sanduíche, período financiado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

 

Donald na Universidade de Stirling [Arquivo Pessoal/Donald]

O pesquisador enxerga no Brasil “um grande potencial de ser protagonista e referência mundial no combate à desigualdade e a sub-representatividade de treinador negro no futebol e em outras modalidades”. Mas, para isso, é preciso se movimentar nessa direção, por meio de pesquisas e levantamentos de dados, implementação de leis e outras medidas que envolvam os diferentes atores relacionados ao futebol e que combatam o racismo de maneira ampla e não apenas o individual ou explícito.

A trajetória do pai como inspiração

Donald lembra como a própria trajetória de seu pai se relaciona ao tema de sua pesquisa. Abel Verônico foi treinador no Catar na década de 1980. Em seu segundo ano, foi campeão da segunda divisão, sendo eleito o melhor treinador no país da temporada, competindo com outros grandes nomes brasileiros e estrangeiros. Ao voltar para o Brasil, porém, Abel não recebeu nenhuma proposta para trabalhar em grandes clubes. 

“Eu ficava indignado, incomodado e sem entender. Às vezes, culpava o meu pai, achava que ele poderia ter feito algo a mais”, relembra Donald. Com a pesquisa, ele passou a entender muitas situações pelas quais seu pai passou e que afetaram toda a família. 

Abel Verônico atuou como técnico no Catar na década de 1980. Foto: Pedro Ernesto Guerra Azevedo / Santos FC

“É por isso que estou aqui no Reino Unido - para aprender, estudar, fazer intercâmbio e voltar para o Brasil para continuar a minha pesquisa; retomar com o que aprendi e tentar contribuir para uma sociedade igualitária e inclusiva por meio do esporte”, afirma.

Donald concedeu uma entrevista para a Universidade de Stirling falando sobre o seu projeto e a história por trás dessa pesquisa. A matéria pode ser acessada no link:

https://www.stir.ac.uk/news/2024/february-2024-news/son-of-santos-legend-hopes-racism-research-will-strike-impact-in-brazil/

 

Ordem: 
10
Pesquisa

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