Os sintomas da COVID-19 não se restringem ao aparelho respiratório. Muitas pessoas infectadas com o vírus da SARS-CoV-2 (Síndrome Respiratória Aguda Grave-Coronavirus-2) apresentam fraqueza muscular, que é o principal sintoma da miopatia esquelética nesses pacientes. Nos casos mais severos, o quadro se acentua devido ao longo período de fraqueza, fadiga e inatividade física, podendo levar à atrofia muscular.
Essa miopatia, provavelmente, tem relação com a distribuição de uma enzima denominada ECA2 (Enzima Conversora de Angiotensina II) no músculo esquelético. Isso porque essa enzima funciona como receptor na membrana das células do organismo, atuando como porta de entrada para o vírus e, consequentemente, para a doença COVID-19. A ECA2 é um dos componentes do Sistema Renina Angiotensina (SRA), cuja interface com o exercício físico é intensamente estudada no Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular do Exercício da EEFE-USP.
Os estudos do Laboratório foram pioneiros ao indicar a presença da enzima no músculo esquelético, inclusive em animais saudáveis. Segundo a Profa. Dra. Edilamar Menezes de Oliveira, coordenadora do Laboratório, e o Prof. Dr. Tiago Fernandes, isso indica que uma das possibilidades pelas quais o vírus pode provocar miopatia é por meio da infecção direta pela ligação com o receptor no músculo esquelético. O sintoma pode também ser causado de maneira indireta pelo SARS-CoV-2, por meio da liberação de citocinas sistêmicas e alterações no equilíbrio do organismo como um todo.
Figura Modificada da Nature 580, 2020.
De acordo com as pesquisas realizadas pelo grupo, o treinamento físico influencia o Sistema Renina Angiotensina (SRA) e representa uma proteção para os tecidos em condições fisiológicas e patológicas. Considerando isto e o fato de que o músculo esquelético é altamente responsivo ao exercício físico, os pesquisadores do Laboratório realizaram estudos no sentido de neutralizar a miopatia esquelética resultante da insuficiência cardíaca.
Um mecanismo semelhante possivelmente está presente na infecção por SARS-CoV-2, sugerindo que uma razão ECA1/ECA2 mais baixa pode reduzir o risco de piores resultados na infecção. Isso quer dizer que o exercício físico pós-COVID19 pode minimizar as consequências sobre o coração, os vasos sanguíneos e a miopatia muscular esquelética, por resgatar a atividade da ECA2 e os níveis de Ang- (1-7). A Profa. Dra. Edilamar Menezes explica que, embora sejam necessárias mais investigações, os estudos prévios indicam que os pacientes graves podem melhorar sua qualidade de vida com o treinamento físico, apaziguando os efeitos do comprometimento de sua capacidade funcional.
Os docentes abordaram a correlação entre a enzima ECA2 e a susceptibilidade a miopatias no artigo "SARS-CoV-2 and Skeletal Muscle ACE2: Exercise Contribuition", recentemente incluído na base de dados da Organização Mundial da Saúde que agrega estudos relacionados ao Covid-19. O texto original foi publicado na publicação Journal of Applied Physiology, na coletânea "Commentaries on Viewpoint: The interaction between SARS-CoV-2 and ACE2 may have consequences for skeletal muscle viral susceptibility and myopathies".