Pesquisa mostra como bebês manipulam objetos enquanto aprendem a andar sozinhos

Bebês utilizam diferentes estratégias diante da instabilidade causada pelo andar bípede independente.

Os primeiros passos de um bebê são um marco significativo em sua vida. O mundo ganha novos caminhos a serem explorados e novos itens passam a estar ao seu alcance. Nesse processo, o desenvolvimento do andar bípede e  das atividades motoras levam a aquisição de  habilidades essenciais à vida diária: a estabilização corporal, orientação e a manipulação e preensão de objetos.

Bebês adotam diferentes estratégias para explorar objetos enquanto aprendem a andar. Foto: Adobe Stock

Para entender como os bebês adquirem essas habilidades, um estudo realizado na EEFE-USP - conduzido por Laísla Camila da Silva e orientado pelo Prof. Dr. Luciano Basso - investigou as estratégias de alcance e preensão utilizadas pelos bebês durante a obtenção e o desenvolvimento do andar bípede independente. A pesquisa procurou entender de que forma as crianças escolhem pegar um item enquanto enfrentam o desafio de manter o equilíbrio.

Por meio de testes que colocaram os bebês em diferentes condições, posições e desafios, a pesquisa verificou que eles são capazes de se adaptarem e apresentam diferentes estratégias conforme as condições do ambiente. Em situações estáveis, como a posição sentada, os bebês sentem-se mais confortáveis em utilizar os dedos para manipular objetos. Porém, ao se manterem de pé, a necessidade de equilibrar o corpo estimula os bebês a usarem a palma da mão para pegar os itens, já que a postura e o deslocamento são atividades complexas para eles e o uso da palma aumenta as chances de sucesso.

A relação entre locomoção e manipulação na infância

A tarefa de andar é, de fato, mais desafiadora do que imaginamos. De acordo com a pesquisadora, a movimentação em bipedia é um desafio para eles, “pois requer a manutenção da postura ereta e do equilíbrio dinâmico em uma base de apoio em constante modificação”. À medida que os bebês ganham mais controle sobre seu corpo, novas possibilidades se abrem para eles.

O estudo aponta que o desenvolvimento do andar bípede leva a construção de  uma nova relação dinâmica entre o corpo, o ambiente e as tarefas que o bebê enfrenta. Existe uma interdependência entre esses elementos, que se tornam mais complexos com a aquisição da locomoção.

O início do andar bípede pode ser desafiador, mas desenvolve muitas habilidades dos bebês. Foto: Freepik

Quando os bebês transitam do engatinhar para o andar, eles deixam de ser observadores passivos e começam a interagir mais ativamente com o ambiente. Isso indica que, ao ganharem autonomia para andar, a forma como os bebês percebem e exploram o mundo é modificada, acelerando o desenvolvimento tanto de habilidades motoras quanto sociais. Além disso, com as mãos livres, eles podem interagir de formas mais variadas com os objetos ao seu redor.

Com a aquisição do andar bípede, as ações manipulativas de alcance e preensão tornam-se mais desenvolvidas. A pesquisadora explica que “o alcance é o movimento do braço em direção a um objeto, enquanto a preensão é definida como a união temporária entre a mão e um objeto”. Inicialmente, as preensões dos bebês envolvem força com a palma da mão, mas com o tempo, ficam mais precisas com o uso dos dedos. Esse processo requer uma adaptação constante dos bebês, que escolhem diferentes estratégias para coordenar os movimentos e lidar com as exigências da tarefa, levando em conta o ambiente e a situação.

Coleta de dados e tarefas desafiadoras para os bebês

Com indicação e aprovação da Secretaria de Educação, a pesquisa contou com a participação de 10 bebês de três escolas diferentes, que iniciaram os testes por volta de 1 ano de idade. Para garantir a eficiência do experimento, a pesquisadora passou um período acompanhando os bebês em suas atividades escolares, permitindo que se acostumassem com sua presença.

A tarefa proposta aos bebês consistia em alcançar e pegar um cubo de 2 centímetros, posicionado à frente deles em um suporte. Para observar as diferentes estratégias de preensão escolhidas pelos bebês, eles foram colocados em várias situações:

Condição sentado: para a pesquisa, foram propositalmente escolhidos os bebês que ainda não se mantinham em pé e nem andavam, para observar o início da aquisição dessa habilidade. As tarefas começaram com os bebês nas seguintes situações: 

  1. Sentado com apoio de tronco, em uma cadeira de alimentação; 

  2. Sentado sobre um tapete de EVA, sem apoio de tronco;

Foto: tiradas pela pesquisadora durante os testes.

Condição em pé: quando o bebê começou a realizar suas primeiras tentativas de se manter em pé, a pesquisadora o avançou para o próximo passo: 

  1. Em pé e parado sem apoio; 

  2. Em pé e parado com apoio de tronco no baby jump;

Foto: tiradas pela pesquisadora durante os testes.

Condição de deslocamento: por fim, quando o bebê apresentou três passos consecutivos independentes e sem quedas, o último cenário foi testado: 

  1. Locomoção bípede independente sem apoio; 

  2. Locomoção bípede independente com apoio de tronco no baby jump.

Foto: tiradas pela pesquisadora durante os testes.

Em todas as condições, os bebês receberam acompanhamento constante para garantir sua segurança, sendo amparados em caso de desequilíbrio, queda iminente ou solicitação de ajuda. Cada bebê realizou três tentativas em cada condição, totalizando 18 tentativas ao longo do experimento. Ao apreender o cubo, eles foram incentivados a colocar o objeto dentro de uma caixa acrílica oferecida pela pesquisadora.

A terceira condição, relacionada ao deslocamento, foi a mais importante para o estudo. Ela possibilitou o objetivo do estudo de analisar como os bebês escolhiam as estratégias para alcançar e apreender o cubo enquanto se moviam e tentavam manter o equilíbrio. Nessa tarefa, os bebês precisavam andar uma distância de 1 metro para chegar ao cubo. Caso não conseguissem, o percurso era gradativamente diminuído, mas mantendo o requisito deles realizarem pelo menos três passos consecutivos.

As coletas de dados eram finalizadas quando os bebês voltavam a apresentar os padrões de alcance e preensão observados antes do início do andar bípede independente, ou quando mostravam melhorias significativas na locomoção, como a redução da largura entre as pernas ou o abaixamento dos braços ao caminhar.

Testes mostram a capacidade de adaptação dos bebês

Ao final dos testes e da análise dos resultados, foi possível compreender melhor as ações manuais dos bebês e como elas se desenvolvem durante a aquisição de uma habilidade tão importante quanto o andar. Inicialmente, notou-se que os bebês não utilizaram as duas mãos simultaneamente nas tarefas propostas, mantendo uma predominância de aproximadamente 97% das ações unimanuais durante todo o período analisado, mesmo após o início do andar bípede.

No entanto, surgiram diferenças significativas nas possíveis estratégias com apenas uma das mãos. Os bebês, quando sentados, preferiram utilizar mais a precisão dos dedos, enquanto nas situações de maior instabilidade postural optaram pela estratégia unimanual palmar. Além disso, quando os bebês mantinham os braços elevados para se equilibrar, a palma da mão se mostrou o método predominante nas atividades propostas.

Bebês priorizam a estabilidade quando precisam equilibrar-se e pegar um objeto ao mesmo tempo. Foto: Freepik

Esses achados comprovam que os bebês possuem uma grande capacidade de adaptação diante dos desafios diários, evidenciando a conexão entre o raciocínio e a atividade motora. Com a necessidade de manter a postura ereta e a complexidade do andar bípede independente, os bebês priorizam ações manuais que garantam estabilidade, mesmo que sejam pouco refinadas e menos adaptadas às características do objeto.

A pesquisadora afirma que “o controle postural e as estratégias manuais se desenvolvem de maneira assincrônica”, ressaltando que a integração dessas habilidades é gradual. Durante os testes, os bebês na posição bípede, tanto parada ou em deslocamento, precisavam ajustar seu equilíbrio constantemente. Por isso, apesar do cubo utilizado no experimento ser leve e pequeno, o uso da estratégia unimanual palmar não reflete a incapacidade dos bebês em reconhecer as características do objeto, mas sim o impacto da manutenção da postura ereta.

 Integração de habilidades nos bebês é gradual. Foto: Freepik

O estudo concluiu que as estratégias manuais se modificam para atender às demandas posturais e aos desafios das atividades cotidianas dos bebês, principalmente durante a fase inicial da aquisição do andar bípede independente. A estratégia unimanual digital e a postura mais relaxada dos braços são mais comuns quando os bebês estão sentados ou em pé com apoio, sendo, justamente, condições de maior estabilidade corporal.

A tese, intitulada Estratégias de alcance e preensão durante a aquisição do andar bípede independente, está disponível integralmente no Banco de Teses da USP no seguinte link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/39/39136/tde-21112024-164612/pt-br.php.

 
Editoria: 
Texto: 
Lívia Borges
Estagiária sob Supervisão de Paula Bassi
Seção de Relações Institucionais e Comunicação

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