Estudos da EEFE-USP mostram como a visão pode moldar o jogo.
Em uma partida esportiva, o sucesso de uma jogada depende de inúmeros fatores que envolvem desde o treinamento adequado para que o atleta atinja seu melhor desempenho físico até as instruções táticas elaboradas pelos treinadores. Porém, há um elemento essencial em jogo que muitas vezes não recebe a devida atenção: o olhar do jogador.
Partida de Futsal entre Argentina e Egito nos Jogos Olímpicos da Juventude 2018 - Fonte: Wikimedia
Pesquisas conduzidas na EEFE-USP, sob coordenação do Prof. Dr. Umberto Cesar Corrêa, têm procurado explorar esse aspecto do jogo, especialmente no futsal. Esses estudos investigam o comportamento do olhar dos jogadores durante passes, finalizações e dribles, analisando como a informação visual e a coordenação interpessoal influenciam a tomada de decisão. Os resultados trazem insights valiosos para o treinamento e a elaboração de estratégias mais eficazes.
O olhar nas finalizações e a variabilidade da busca visual
Em um dos estudos, 18 partidas de futsal foram analisadas, com 32 jogadores equipados com rastreadores oculares. A partir disso, foram selecionadas 45 sequências de jogadas envolvendo passes e finalizações. Os resultados mostraram que, ao realizar um chute ao gol, os atletas adaptaram seus padrões de olhar para focar em quatro fontes principais de informação: o defensor mais próximo, o goleiro, o chão da quadra e a bola. A bola, no entanto, foi a informação mais fixada, independentemente da configuração de marcação, indicando sua importância crítica para garantir um contato preciso no chute.
Ilustração e detalhes dos rastreadores oculares utilizados pelos atletas.
As análises também apontaram que, quanto maior o tempo de posse da bola, maior a variabilidade da busca visual. Isso implica que os jogadores, com o tempo, exploram ativamente o ambiente à procura de um ângulo ideal para o chute, regulando suas ações por meio de informações visuais dinâmicas. No entanto, a variabilidade na busca visual não foi influenciada pela magnitude, velocidade ou variação dos ângulos entre o chutador, o defensor mais próximo e o goleiro.
A geometria por trás do passe eficaz
Outro estudo destacou a importância da geometria na tomada de decisão durante passes. Os jogadores não apenas buscam o maior ângulo possível entre companheiros e defensores, mas também o que emerge mais rapidamente. Isso reforça que o passe é influenciado pela percepção contínua das mudanças espaciais, exigindo uma leitura dinâmica do jogo. De forma mais precisa, foi identificado que os jogadores devem se atentar para um ângulo ótimo de 72º entre eles e seus companheiros ou defensores para maximizar a eficácia do passe.
Jogo do Brasil contra Costa Rica na Copa do Mundo de Futsal FIFA 2024, na qual o Brasil foi hexacampeão - Fonte: FIFA
Assim, a prática ideal envolve a criação de situações que desafiem o atleta a desenvolver percepção e ajuste rápido, além de adaptar a velocidade do passe conforme o surgimento de espaços entre os jogadores. Dessa forma, o sucesso no passe não é apenas uma questão de "para quem" passar, mas de "quando" e "como" executar a ação.
O desafio do drible: tempo de reação e antecipação
O drible, por sua vez, foi analisado em outro estudo que comparou as performances no futsal e no futebol. Uma das principais descobertas foi que o tempo de reação do defensor influencia o sucesso do drible no futebol, mas não no futsal. Em ambos os esportes, a antecipação do defensor não se mostrou um fator determinante para evitar um drible bem-sucedido. No futebol, atrasar o início da resposta do defensor pode aumentar as chances de sucesso para o atacante. Isso revela que as estratégias de drible variam significativamente entre os dois esportes, exigindo ajustes específicos nos treinamentos.
Goleiro em partida entre Uzbequistão e Holanda na Copa do Mundo de Futsal FIFA 2024 - Fonte: FIFA
O papel crítico do goleiro: reagir ou antecipar?
Se, de um lado, os estudos exploraram o comportamento óptico dos jogadores de linha, do outro, investigaram também o comportamento dos goleiros. Neste caso, foram analisados 50 chutes em partidas de futsal.
Os pesquisadores observaram que, quando o goleiro antecipava o movimento do chute, isso resultava em gols com maior frequência, especialmente em chutes realizados das zonas central e ofensiva, e a uma distância entre 5,97 e 7,84 metros. Isso sugere que a antecipação é uma estratégia arriscada, especialmente em zonas críticas, e que os goleiros precisam encontrar o equilíbrio entre agir com rapidez e esperar o momento certo para reagir.
Integração e aplicações Práticas
Esses estudos reforçam a ideia de que cada elemento do jogo está interligado. A capacidade de adaptação da busca visual, a execução precisa de passes e a criação de espaços são fundamentais para o sucesso ofensivo. Do ponto de vista do defensor, movimentos imprevisíveis e leitura rápida do adversário são essenciais para bloquear um drible, enquanto os goleiros devem calibrar suas respostas para não se antecipar de forma precipitada.
Jogo entre Brasil e Argentina na Copa do Mundo de Futsal FIFA 2021 - Fonte: FIFA
Com base nesses achados, os pesquisadores sugerem que as práticas de treinamento devem incluir situações de múltipla escolha, nas quais os jogadores desenvolvam sintonia perceptiva e ajuste interpessoal rápido. Além disso, propor atividades que exijam diferentes tempos de resposta e antecipação pode ajudar os goleiros a otimizar suas ações e tomar decisões mais eficazes durante os jogos.
Para saber mais, consulte os artigos:
Corrêa, U.C. Insights into the design of practice tasks for learning of decision-making on motor skill of passing in sport of futsal. Brazilian Journal of Motor Behavior, 18, 2024. Acessível em: https://socibracom.com/bjmb/index.php/bjmb/article/view/423/550
Oliveira, T. A. C., Davids, K., Denardi, R. A., Zalla, S. & Corrêa, U.C. Interpersonal coordination tendencies and perception of visual information for decision-making in futsal. Psychology Of Sport and Exercise, 66, 102403, 2023. Acessível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1469029223000274?via%3Dihub
Silva, S. L., Reis, M. A. M., Silva Filho, A. S., Benda, R. N., Moreira, A. & Corrêa, U. C. Success and failure of dribbling in futsal and football based on reaction time and anticipation. Kinesiologia Slovenica Journal, 2022. Acessível em: https://www.researchgate.net/publication/365438078_Success_and_failure_of_dribbling_in_futsal_and_football_based_on_reaction_time_and_anticipation
Silva Filho, A. S., Silveira, S. R., Silva, S. L. & Corrêa, U. C. Instructional Cues in Futsal Teaching, Coaching and Matches. Sportis-Scientific Technical Journal of School Sport Physical Education And Psychomotricity, 8, 210-226, 2022. Acessível em: https://revistas.udc.es/index.php/SPORTIS/article/view/sportis.2022.8.2.9024
Silva, S. L., Gemeas Neto, E., Palma, G. C. S., Silva Filho, A. S. & Corrêa, U. C. The anticipatory and reaction time behaviors of the futsal goalkeeper. Journal of Physical Education, 32, e3218, 2021. Acessível em: https://www.scielo.br/j/jpe/a/r4WYtRNtR47vWJp4v8vzGFg/
Corrêa, U.C., Oliveira, T.A.C., Clavijo, F.A.R., Silva, S.L., Zalla, S. Time of ball possession and visual search in the decision-making on shooting in the sport of futsal. International Journal of Performance Analysis in Sport, 21, 1-10, 2020. Acessível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/24748668.2020.1741916#abstract